Vamos
combinar: não está fácil ser papa hoje em dia. Quando Joseph Ratzinger foi
escolhido para comandar a Santa Sé, em 2005, as ferramentas que mudariam os
canais de interlocução entre o público e as autoridades eram ainda uma
novidade. Havia internet, havia uma cobertura intensa do conclave, havia todo
tipo de análise de todos os calibres sobre o futuro da Igreja. Mas os impactos
das novas tecnologias ainda não faziam estragos (não tão rapidamente) como
acontece nos dias de hoje.
Foto:
©AFP / Vincenzo Pinto
Bento 16,
sem o carisma do antecessor João Paulo II, tinha nas costas não apenas a missão
de estancar a hemorragia de fiéis num tempo de convicções seculares, mas
também a de atrair um público jovem cada vez mais conectado, cada vez mais
ativo, cada vez menos interessado em verdades inabaláveis. Não foi por outro
motivo que o papa aderiu ao Twitter, um púlpito bem diferente daquele a que
todos os antecessores, a começar por São Pedro apóstolo, haviam reinado.
Oficialmente,
a renúncia de Joseph Ratzinger é explicada pela saúde debilitada. Há relatos
sobre ordens médicas para que evitasse grandes deslocamentos para se poupar. Em
livro de memórias, ele já havia manifestado o desejo de deixar o pontificado
caso a saúde limitasse sua missão. É uma explicação plausível, dada a idade
avançada do sumo pontífice (ele tem 85 anos). Mas há também de se levar em
conta a discrepância entre a missão herdada e a capacidade de Bento 16
conduzi-la.
Os canais
de interlocução que ora eram anunciados como pontes entre a Igreja e os novos
tempos são as mesmas a expor as fraturas de uma instituição combalida. Os
inúmeros, incontáveis escândalos sexuais e outros desvios protagonizados por
quem detém, supostamente, o monopólio da fé, da bondade e da caridade hoje não
permanecem mais de dois minutos debaixo do tapete. As reações também. Não à
toa, em seu pronunciamento, o pontífice se mostrou assustado com a velocidade
das mudanças pelo mundo. Enquanto isso, a Igreja muda seu percurso na
velocidade de um transatlântico: os avós de hoje rezavam a missa em latim, mas
os avós de amanhã seguem repetindo orações prontas, como cordeiros passivos em
celebrações dominicais de ritos engessados nos quais a lógica e o confronto,
tão caros mundo afora, parecem ignorados entre as paredes de uma igreja.
O
resultado é que, embora conectados a ferramentas atualizadas de
comunicação, o papa e sua Igreja seguiram com um velho discurso construído em
dogmas e tabus pouco atualizados do século primeiro até aqui. Num mundo que
pede igualdade de oportunidades, direitos e deveres, o papa discorria sobre os
“perigos” do casamento gay e condenava os avanços que tornaram a humanidade
melhor e mais livre em relação a tempos remotos (como a camisinha, a pílula e o
desapego às instituições familiares e patriarcais). Não que este anacronismo
estivesse ausente em postulados recentes; é que, antes, as tecnologias não
permitiam tal assimilação.
Como o
papa relutante de Nanni Moretti, que em seu Habemus Papam parecia ter
previsto uma fábula sóbre o vácuo de liderança do mundo atual, Bento 16
pode ter se dado conta de que sua posição não o tornou imune ao escrutínio
humano. Num passado recente, a aura em torno de uma autoridade e seu circulo de
asseclas eram barreira protetora diante das demandas e manifestações populares.
De longe, nem sempre era possível avistar o tamanho de possíveis encrencas.
O exercício de poder era (é?) um exercício de autoilusão até que alguém da rua
gritasse que o rei estava nu. Hoje este grito parte de todos os lados e
a distância entre reis e súditos praticamente inexiste. Os canais de
interlocução criam reações automáticas, assustadoramente rápidas até para
nativos digitais. Em outras palavras: aqui se paga o que se fala, o que se
escreve. E nunca foi tão fácil descobrir o quanto um líder é amado ou odiado
fora do púlpito.
Se em
algum momento o papa Bento 16 se perguntou “que rei sou eu”, a internet e
outros canais não o deixaram sem respostas, estas que faltam na Bíblia e sobram
nas ruas.
Matheus Pichonelli – Internacional/Carta Capital
11.02.2013
10:34
Nenhum comentário:
Postar um comentário